Mahavidya Yoga

Yantra e o Espaço Sagrado
Flávia Venturoli Miranda
07/09/2010

 ‘A profunda nostalgia do homem religioso

é habitar um “mundo divino”,

ter uma casa semelhante à “casa dos deuses”...’[i]

Shri Yantra
 

Yantra é um tema complexo pela variedade de maneiras e situações em que é usado. Há quem diga que yantra é formado por

yam = segurar, reter (como em yama = conter-se) +

tra = proteger, instrumento

 

Gosto de traduzir como

Yantra é a maquininha que contém a mente e a protege.

Yantras são instrumentos, aparatos, máquinas, engenhos de meditação, culto, proteção, magia, alquimia e tecnologia. Podem ser desenhos, símbolos, diagramas, cosmogramas (de devoção, que representam uma divindade), dispositivos, objetos (de alquimia, amuletos), instrumentos (cirúrgicos), máquinas (maquina voadora, robô) e construções (templos).

yantra para o bem estar das crianças

O yantra atua no mundo das formas (rupa) e tem sua contrapartida nominal (nama) como mantra. O yantra é a representação visual do mantra e o mantra vivifica o yantra. O mundo é a manifestação da divindade, Brahman Saguna. Assim como se diz da luz, que é tanto onda como partícula, essa manifestação assume um nome e uma forma. O par nama/rupa é recorrente no tantrismo.

Nama surge da manifestação do Absoluto, Brahman Nirguna, primeiramente como vibração primordial (spanda), que, quando tangível, é percebida como Om, o pranava.

Desse som primordial deriva todos os sons, que formam palavras, que são percebidas como coisas, que recebem nomes que as identificam.

Om e todas letras sânscritas

Rupa, por sua vez, surge da manifestação do Absoluto, Brahman Nirguna, primeiramente como uma marca virtual (bindu avyakta), que quando tangível, é percebido como ponto (bindu vyakta).

Brahman como ponto

Dessa marca virtual deriva tudo o que tem forma, que é percebido como objeto, que recebe nome que os identifica. Em outras palavras, tudo o que tem nome, tem forma, isto é, na forma contém seu próprio nome e propósito (artha). Assim a significação mental divina dá forma aos nomes, e nomeia as formas manifestadas. Com o nomes e formas, o mundo é criado.

yantra + mantra de Katyayani para o amor entre casais

Assim o par mantra/yantra faz parte de muitos rituais místicos, religiosos e simbólicos mundo a fora. Do profano ao sagrado, o som e a forma, andam juntos, interagem, se completam e se destroem.

 

Há a grafia musical (com notas, ritmos, escalas),

 

há os pontos e cantos do candomblé, 

Oxalá - ponto riscado  e Oxalá - canto

há outros símbolos religiosos:

Judaíco

Islâmico

Cristão

como a Cruz, que está associada com a imagem de Cristo e ao Pai Nosso, 

 

há as ciências com demonstrações gráficas das ondas de luz e de sons,

ou mesmo a demonstração física de formas criadas por um líquido ou pó sobre um alto-falante com diferentes sons (veja vídeo), 

 

há ressonâncias capazes de destruir uma ponte,

Ponte de Tacoma

Ponte de Tacoma destruida pela ressonância com o vento

 

 há ultrassons que permitem observar órgão internos e fetos (veja vídeo).

 

Para nós, ocidentais, os mantras são mais conhecidos, porém a sabedoria dos yantras, como ferramenta de autoconhecimento, é praticamente ignorada. O que há, é o conhecimento estético das mandalas

e suas aplicações terapêuticas na psicologia, graças ao Jung (verdade dita seja). Porém mandalas são apenas uma parte do universo dos yantras.

Simbolismo da Mandala - Carl Jung

Nos yantras usa-se a energia da forma para a contemplação, meditação, proteção e aplicação. Cada forma invoca uma energia específica que produz uma reação na mente do observador. Brincamos de desenhar yantras e mandalas, mas a realidade é que para essa energia criativa já fórmulas prescritas de execução e contemplação. Além do que, todos os tipos de expressões formais e dimensionais podem ser aplicados nos yantras. Tentarei explicar em textos futuros os vários tipos de yantras.

Antes de escrever sobre os vários tipos de yantras e aplicações, alguns conceitos de espaço sagrado são importantes para o entendimento da simbologia dos yantras, e para desfrutarmelhor dessa sabedoria.

 

Espaço Sagrado

O espaço sacralizado é o lugar do rito, do mito, do mundo conhecido, de segurança, de um grupo e do indivíduo. Para Eliade [ii], há uma ruptura no espaço (e no tempo) quando se entra no domínio do sagrado. A mesma terra que pisamos, quando consagrada muda sua dimensão simbólica e qualitativa, por agregar o poder do divino (do mito). Por isso, mesmo um pequeno lugar sagrado (diminuto até) pode representar todo um universo, em suas várias dimensões. O espaço sagrado traz ordem ao caos, orienta, norteia, dá direção e sentido.

O Centro

O que antecede ao surgimento do mundo (mitológico ou real) é o obscuro, o desconhecido, a água insondável primordial, as trevas, o inominável e amorfo.  A instalação do sagrado no espaço organiza o caos e seu centro estabelece orientação. No espaço sagrado, o centro é a fundação do mundo. Uma frase do Mircea Eliade que gosto muito é: "Nosso mundo” situa-se sempre no centro’ [iii], em outras palavras o espaço sagrado é o nosso domínio.

planta de Stonehenge

O centro é o vínculo, na terra, do início da manifestação divina. Esse local de criação divina é absoluto, fixado como referência do centro do mundo sagrado para a periferia profana. É a singularidade de onde a complexidade deriva. Assim, o centro é o primeiro elemento importante na geometria sagrada. O centro sagrado num espaço plano é o ponto. O ponto sagrado toma  forma de pedra, grão, lugar, ovo, semente. Quando a sacralização passa ao espaço corpóreo, o ponto é o umbigo, o coração, o chakra, marma, sthana, granthi etc.

Corpo é o Templo.

O Eixo

Quando o centro do sagrado passa a ter 2 pontos, formando um linha, essa ligação cria o eixo central. O eixo conecta a terra com o céu, axis mundi [1]. Através do eixo se estabelece a comunicação com a divindade, é o fio condutor das súplicas e de recebimento das dádivas, além de também sustentar e alicerçar o Céu (a morada divina).

O eixo sagrado toma forma de fio, pilar, poste, árvore, montanha, escada, etc. Já o eixo corpóreo por excelência é a coluna vertebral e, no plano sutil, a sushumna nadi.

chakras ao longo da sushumna nadi  

O Centro Expandido, o Plano 

O centro é a forte fonte do poder divino que ao expandir se multiplica, deriva, varia, diversifica, porém perde potência. O axis mundi irradia seu poder em todas as direções e estabelece uma área sagrada, constituindo objetos, seres, corpos, terrenos, templos, casas, cidades, países, mundos, submundos, cosmo. O imago mundi [2] é tanto o macro como o microcosmo. O universo é o macrocosmo, mas relativamente também é o país, a cidade, o templo. O microcosmo é o próprio corpo, mas também o é o grupo familiar, o clã, a comunidade.

Olho de Deus, nome popular da nebulosa Helix

Às vezes, o centro expandido ganha contornos simbólicos bem definidos como o da árvore da vida, a vaca sagrada, o ovo dourado (hiranyagarbha), o homem cósmico (purusha), etc.

Deste modo, o cosmo se personifica e pode ser identificado em uma divindade: Jesus, Nossa Senhora, São Francisco, Zeus, Afrodite, Shiva, Vishnu, Hanuman, Kali, etc.

Nascimento da Vênus (detalhe) Sandro Botticelli

Todos esses centros expandidos são os palcos onde a vida se dá. Somos o atman[3] dentro do Paramatman [4] O cosmo é o grande jogo divino, mahalila, é onde os desfrutes (bhoga) são vividos. 

Somos o atman, a centelha divina imóvel, no centro da roda do samsara, nos seus ciclos de nascimento-vida-morte-renascimento, de onde o yogi busca libertar-se (moksha).

 

“É um yantra, que o devoto deve permitir que se revele á sua visão interior, para então concentra-se nele. Deve ser inspirado por seus aspectos significativos e perceber que estes desvelam a essência secreta, a verdade, a realidade esotérica da natureza do universo e do seu próprio ser.” Zimmer [iv]

  

PS: Em futuros textos explicarei os tipos de yantras (incluindo as mandalas) e suas aplicações, as formas geométricas e suas simbologias.

  

Saiba mais sobre outros Yantras

 

[1] axis mundi -  eixo do mundo

[2] imago mundi – mundo idealizado

[3] atman – alma individual

[4] Paramatman – alma universal, Deus

 

Bibliografia

CRISTESCU, Horia e BOZARU, Dan. Introduction to Yantra, in http://sivasakti.net/articles/intro-yantra.html em 22/08/2010

MAGEE, Mike, tradução. Yantra and Pranapratishta, in  http://www.shivashakti.com/yantra.htm, em 22/08/2010

[i] ELIADE, Mircea. O Sagrado e o Profano: a Essência das Religiões. 2ª ed, pg 61, São Paulo: Martins Fontes, 2008.

[ii] ibidem pg 26

[iii] ibidem pg 42

[iv] ZIMMER, Heinrich. Mitos e Símbolos na Arte e Civilização da Índia, 3ª reimpres, pg 161. Palas Athena, 2002.

Rua Dona Leopoldina, 239
próximo ao metrô Alto do Ipiranga

 

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