‘A profunda nostalgia do homem religioso
é habitar um “mundo divino”,
ter uma casa semelhante à “casa dos deuses”...’[i]
Yantra é um tema complexo pela variedade de maneiras e situações em que é usado. Há quem diga que yantra é formado por
yam = segurar, reter (como em yama = conter-se) +
tra = proteger, instrumento
Gosto de traduzir como
Yantra é a maquininha que contém a mente e a protege.
Yantras são instrumentos, aparatos, máquinas, engenhos de meditação, culto, proteção, magia, alquimia e tecnologia. Podem ser desenhos, símbolos, diagramas, cosmogramas (de devoção, que representam uma divindade), dispositivos, objetos (de alquimia, amuletos), instrumentos (cirúrgicos), máquinas (maquina voadora, robô) e construções (templos).
O yantra atua no mundo das formas (rupa) e tem sua contrapartida nominal (nama) como mantra. O yantra é a representação visual do mantra e o mantra vivifica o yantra. O mundo é a manifestação da divindade, Brahman Saguna. Assim como se diz da luz, que é tanto onda como partícula, essa manifestação assume um nome e uma forma. O par nama/rupa é recorrente no tantrismo.
Nama surge da manifestação do Absoluto, Brahman Nirguna, primeiramente como vibração primordial (spanda), que, quando tangível, é percebida como Om, o pranava.
Desse som primordial deriva todos os sons, que formam palavras, que são percebidas como coisas, que recebem nomes que as identificam.
Rupa, por sua vez, surge da manifestação do Absoluto, Brahman Nirguna, primeiramente como uma marca virtual (bindu avyakta), que quando tangível, é percebido como ponto (bindu vyakta).
Dessa marca virtual deriva tudo o que tem forma, que é percebido como objeto, que recebe nome que os identifica. Em outras palavras, tudo o que tem nome, tem forma, isto é, na forma contém seu próprio nome e propósito (artha). Assim a significação mental divina dá forma aos nomes, e nomeia as formas manifestadas. Com o nomes e formas, o mundo é criado.
Assim o par mantra/yantra faz parte de muitos rituais místicos, religiosos e simbólicos mundo a fora. Do profano ao sagrado, o som e a forma, andam juntos, interagem, se completam e se destroem.
Há a grafia musical (com notas, ritmos, escalas),
há os pontos e cantos do candomblé,
há outros símbolos religiosos:
Judaíco
Islâmico
Cristão
como a Cruz, que está associada com a imagem de Cristo e ao Pai Nosso,
há as ciências com demonstrações gráficas das ondas de luz e de sons,
ou mesmo a demonstração física de formas criadas por um líquido ou pó sobre um alto-falante com diferentes sons (veja vídeo),
há ressonâncias capazes de destruir uma ponte,
Ponte de Tacoma destruida pela ressonância com o vento
há ultrassons que permitem observar órgão internos e fetos (veja vídeo).
Para nós, ocidentais, os mantras são mais conhecidos, porém a sabedoria dos yantras, como ferramenta de autoconhecimento, é praticamente ignorada. O que há, é o conhecimento estético das mandalas
e suas aplicações terapêuticas na psicologia, graças ao Jung (verdade dita seja). Porém mandalas são apenas uma parte do universo dos yantras.
Nos yantras usa-se a energia da forma para a contemplação, meditação, proteção e aplicação. Cada forma invoca uma energia específica que produz uma reação na mente do observador. Brincamos de desenhar yantras e mandalas, mas a realidade é que para essa energia criativa já fórmulas prescritas de execução e contemplação. Além do que, todos os tipos de expressões formais e dimensionais podem ser aplicados nos yantras. Tentarei explicar em textos futuros os vários tipos de yantras.
Antes de escrever sobre os vários tipos de yantras e aplicações, alguns conceitos de espaço sagrado são importantes para o entendimento da simbologia dos yantras, e para desfrutarmelhor dessa sabedoria.
Espaço Sagrado
O espaço sacralizado é o lugar do rito, do mito, do mundo conhecido, de segurança, de um grupo e do indivíduo. Para Eliade [ii], há uma ruptura no espaço (e no tempo) quando se entra no domínio do sagrado. A mesma terra que pisamos, quando consagrada muda sua dimensão simbólica e qualitativa, por agregar o poder do divino (do mito). Por isso, mesmo um pequeno lugar sagrado (diminuto até) pode representar todo um universo, em suas várias dimensões. O espaço sagrado traz ordem ao caos, orienta, norteia, dá direção e sentido.
O Centro
O que antecede ao surgimento do mundo (mitológico ou real) é o obscuro, o desconhecido, a água insondável primordial, as trevas, o inominável e amorfo. A instalação do sagrado no espaço organiza o caos e seu centro estabelece orientação. No espaço sagrado, o centro é a fundação do mundo. Uma frase do Mircea Eliade que gosto muito é: "Nosso mundo” situa-se sempre no centro’ [iii], em outras palavras o espaço sagrado é o nosso domínio.
O centro é o vínculo, na terra, do início da manifestação divina. Esse local de criação divina é absoluto, fixado como referência do centro do mundo sagrado para a periferia profana. É a singularidade de onde a complexidade deriva. Assim, o centro é o primeiro elemento importante na geometria sagrada. O centro sagrado num espaço plano é o ponto. O ponto sagrado toma forma de pedra, grão, lugar, ovo, semente. Quando a sacralização passa ao espaço corpóreo, o ponto é o umbigo, o coração, o chakra, marma, sthana, granthi etc.
O Eixo
Quando o centro do sagrado passa a ter 2 pontos, formando um linha, essa ligação cria o eixo central. O eixo conecta a terra com o céu, axis mundi [1]. Através do eixo se estabelece a comunicação com a divindade, é o fio condutor das súplicas e de recebimento das dádivas, além de também sustentar e alicerçar o Céu (a morada divina).
O eixo sagrado toma forma de fio, pilar, poste, árvore, montanha, escada, etc. Já o eixo corpóreo por excelência é a coluna vertebral e, no plano sutil, a sushumna nadi.
O Centro Expandido, o Plano
O centro é a forte fonte do poder divino que ao expandir se multiplica, deriva, varia, diversifica, porém perde potência. O axis mundi irradia seu poder em todas as direções e estabelece uma área sagrada, constituindo objetos, seres, corpos, terrenos, templos, casas, cidades, países, mundos, submundos, cosmo. O imago mundi [2] é tanto o macro como o microcosmo. O universo é o macrocosmo, mas relativamente também é o país, a cidade, o templo. O microcosmo é o próprio corpo, mas também o é o grupo familiar, o clã, a comunidade.
Às vezes, o centro expandido ganha contornos simbólicos bem definidos como o da árvore da vida, a vaca sagrada, o ovo dourado (hiranyagarbha), o homem cósmico (purusha), etc.
Deste modo, o cosmo se personifica e pode ser identificado em uma divindade: Jesus, Nossa Senhora, São Francisco, Zeus, Afrodite, Shiva, Vishnu, Hanuman, Kali, etc.
Todos esses centros expandidos são os palcos onde a vida se dá. Somos o atman[3] dentro do Paramatman [4] O cosmo é o grande jogo divino, mahalila, é onde os desfrutes (bhoga) são vividos.
Somos o atman, a centelha divina imóvel, no centro da roda do samsara, nos seus ciclos de nascimento-vida-morte-renascimento, de onde o yogi busca libertar-se (moksha).
“É um yantra, que o devoto deve permitir que se revele á sua visão interior, para então concentra-se nele. Deve ser inspirado por seus aspectos significativos e perceber que estes desvelam a essência secreta, a verdade, a realidade esotérica da natureza do universo e do seu próprio ser.” Zimmer [iv]
PS: Em futuros textos explicarei os tipos de yantras (incluindo as mandalas) e suas aplicações, as formas geométricas e suas simbologias.
Saiba mais sobre outros Yantras
[1] axis mundi - eixo do mundo
[2] imago mundi – mundo idealizado
[3] atman – alma individual
[4] Paramatman – alma universal, Deus
Bibliografia
CRISTESCU, Horia e BOZARU, Dan. Introduction to Yantra, in http://sivasakti.net/articles/intro-yantra.html em 22/08/2010
MAGEE, Mike, tradução. Yantra and Pranapratishta, in http://www.shivashakti.com/yantra.htm, em 22/08/2010
[i] ELIADE, Mircea. O Sagrado e o Profano: a Essência das Religiões. 2ª ed, pg 61, São Paulo: Martins Fontes, 2008.
[ii] ibidem pg 26
[iii] ibidem pg 42
[iv] ZIMMER, Heinrich. Mitos e Símbolos na Arte e Civilização da Índia, 3ª reimpres, pg 161. Palas Athena, 2002.
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