Mahavidya Yoga

Kapalasana
Flavia Venturoli Miranda
01/01/2008
Postura do Crânio
kapala – crânio, vaso de oferenda
kapala, vaso de oferenda
O crânio, na maioria das culturas, representa a morte, o fim da existência corpórea. A inexorabilidade da morte é fator de medo, angustia e reflexões. Não à-toa Shakespeare filosofa em Hamlet que segura um crânio e diz: “To be or not to be. That is the question.” 
Hamlet: To be or not to be.
Na Índia, os kapalikas, uma seita ascética tântrica cultuam Shiva Kapali como o transformador radical de morte e renascimento. Suas práticas de tapas são bastante radicais e visam lidar com equanimidade as abjeções da manifestação, por isso, as vezes, moram e meditam em cemitérios. Não raramente usam crânios como suporte para seus alimentos. Assim como faziam os vikings, ao usarem como canecas.
kapalika - aghor

O crânio como receptáculo do encéfalo, também remete a morada da mente, do intelecto e da noção de eu, o que no Samkhya é chamado de órgãos internos, antahkarana. A deusa Kali usa uma girlanda de cabeças, ou de crânios que representam as ignorâncias estirpadas.

Kali e seu kapalamala
Antropologicamente, há quem diga que o fato de evoluirmos de quadrúpede para bípede, elevou nossa cabeça a um outro plano de percepção. Que as necessidades das savanas, nos obrigaram a olhar mais longe, culminando na escolha dos mais aptos para a sobrevivência nessa nova realidade. Esse mudança estrutural do corpo, permitiu um aumento da capacidade encefálica, possibilitou uma nova acomodação das cordas vocais (permitindo a linguagem falada), e principalmente libertou, nossas principias ferramentas de linguagem e de transformação do mundo, as mãos.
A posição privilegiada do encéfalo e o aumento do intelecto, tornou, contudo, a espécie mais prepotente. Costumamos dizer que “o sucesso subiu pra cabeça”, que fulano “está com a cabeça erguida”, que sicrano “não abaixa a crista por nada”. 
namaskara
O ato de curvar-se em saudação, namaskara [namaskAra], é um ato de humildade. A postura, cujo crânio toca o solo, é um treino de humildade, de diminuição da arrogância intelectual. O altivo crânio toca o mundano chão. Isso o põe numa dimensão mais humana e temporal, o que leva (a meu ver) a reflexão sobre a duração da existência, por isso é comum também o medo nessa postura. 

 

Ser humilde e mortal provoca medo e é um bom trabalho buscar o equilíbrio para ambos, a kapalasana pode ser uma opção para esse trabalho. 

 

Importante:

Segundo Desikachar, é essencial que o yoga seja adaptado a cada um, viniyoga (yoga sutra III.6). Para isso é importante, que para essa postura, que lida com aflições primordiais como medo da morte, abhinivesha (yoga sutra II.9), seja respeitado não só a preparação física de fortalecimento de músculos, mas também a preparação psicológica para alcançar tal postura. 

 

Variações:
Iyengar chama essa postura de shalambashirshasana II – a postura do suporte sobre a cabeça e faz parte de um ciclo de posturas com o apoio sobre a cabeça, com inúmeras variações.

 

Na tradição do Yoga Narayana, costumamos treinar primeiramente com a postura chamada de delfim onde a posição da cabeça e das mãos são as mesmas dessa versão, mas não se retira o pés do solo. Apenas, se caminha em direção a cabeça, se retifica a coluna e assim se permanece. Depois se pode treinar próximo a parede para ganhar confiança, que na hora do equilíbrio serve de apoio. Há também a versão da kapalasana, cujo joelhos se apóiam sobre os braços, quando essa está dominada, completa-se a postura elevando as pernas. 

 

Conforme a tradição, apóia-se a mão de uma maneira: uns deixam mãos de forma que os dedos apontam para a cabeça, outros são os punhos que apontam para cabeça, outros ainda os punhos apontam para cabeça mas as mãos são voltadas para fora.
 

Fonte:

salambashirshasana - Light on Yoga – B.K.S. Iyengar - Coração do Yoga – T.K.V. Desikachar – Jaboticaba

 

Fonte histórica:

Segundo a Encyclopaedia of Tradicional Asanas – Dr. M. L. Gharote – Lonavla, kapalasana com as pernas elevadas e kuhi asana, cujas canelas os apóiam ao longo dos braços, aparecem num manuscrito da Hathapradipika ou Siddhanta Muktavali II.158 e II.129 respectivamente

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